sexta-feira, 24 de julho de 2015

Jardim do Amor


Tendo ingressado no Jardim do Amor,
Deparei-me com algo inusitado:
haviam construído uma Capela
No meio, onde eu brincava no gramado.

E ela estava fechada; "Tu não podes"
Era a legenda sobre a porta escrita.
Voltei-me então para o Jardim do Amor,
Onde crescia tanta flor bonita,

E recoberto o vi de sepulturas
E lousas sepulcrais, em vez de flores;
E em vestes negras e hediondas os padres faziam rondas,
E atavam com nó espinhoso meus desejos e meu gozo.❞ R Cresppo ☧

O prazer e o êxtase


O prazer se
faz em êxtase:
quando o
meu corpo,
feito água,
descobre
todos os
caminhos
do seu.
E deixa-se
ficar
onde você
mergulha em
mim.❞ R Cresppo ☧

O genesíaco prazer


Cuidas que o genesíaco prazer,
Fome do átomo e eurítmico transporte
De todas as moléculas, aborte
Na hora em que a nossa carne apodrecer?!

Não! Essa luz radial, em que arde o Ser,
Para a perpetuação da Espécie forte,
Tragicamente, ainda depois da morte,
Dentro dos ossos, continua a arder!

Surdos destarte a apóstrofes e brados,
Os nossos esqueletos descamados,
Em convulsivas contorções sensuais,

Haurindo o gás sulfídrico das covas,
Com essa volúpia das ossadas novas
Hão de ainda se apertar cada vez mais!❞ R Cresppo ☧

Como é o corpo da mulher?



Como é o corpo?
Como é o corpo da mulher?
Onde começa: aqui no chão
Ou na cabeleira, e vem descendo?
Como é a perna subindo e vai subindo
Até onde?
Vê-la num corisco é uma dor
No peito, a terra treme.
Diz-que na mulher tem partes linda
E nunca se revelam. Maciezas
Redondas. Como fazem
Nuas, na bacia, se lavando,
Para não se verem nuas nuas nuas?
Por que dentro do vestido muitos outros
vestidos e brancuras e engomados,
Até onde? Quando é que já sem roupa
É ela mesma, só mulher? E como que faz
Quando que faz
Se é que faz
O que fazemos todos porcamente?❞ R Cresppo ☧

La ninfa sognante


la ninfa sognante mi disse una volta 
che la vita è molto più di un semplice soggiorno 

la vita pulsante sulle stelle è la stessa vita a pulsare su di voi[.]❞ R Cresppo ☧

Olhar para fora ou para dentro?


Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro desperta.❞ R Cresppo ☧

Um fim de mar


Um fim de mar colore os horizontes.❞ R Cresppo ☧

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Boas




Boa poesia é música
mas não só

Boa música é matemática
mas não só

Boa matemática é lógica
mas não só

Boa lógica é malandragem
mas não só

Boa malandragem é poesia
o resto é pó❞ R Cresppo ☧

Limite

Para Anne.



I

Tudo que é
fechado
é pequeno

Tudo que tem
tamanho
é fechado

Tudo que se
percebe
é tamanho

Tudo
Fechado

Tudo
Pequeno

Tudo
Tamanho



II

Todo pequeno
é enorme no seu mistério
todo grande
é mínimo na sua simplicidade

O mistério da simplicidade
é o ponto cego
da compreensão


ponto em nós
a simplicidade do mistério
é o ponto
nós❞ R Cresppo ☧

Ao nascimento do poema virgem




Puro impulso de revolta
ou uma revolta sorridente
até as folhas em branco que lá deixei
contam histórias diferentes
erros, imperfeições e exclamações tortas
sou eu perfeitamente
Ou em plena madrugada
ou cheio de madrugada na gente
deixo-me levar pelo som da geladeira
- na falta de uma imagem mais poética.
Mas espere!
Tem imagem mais poética que o som da geladeira?
E em plena madrugada
nasce mais um poema virgem❞ R Cresppo ☧

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Belo o teu corpo seduz



Belo o teu corpo absoluto, nu.
O que não te revelas, despida,
Vê-se forma a beleza mais nítida,
A cor do teu olhar, de extremo azul.
Linda quando andas displicente,
Sem perceber que no teu redor,
Choram por ti, todos os olhos cheios deste pó.
Um alucinante vestígio que escapa,
Como uma réstia de luz no telhado,
És assim, a gota, o tudo que faltava,
A transbordar as taças dos embriagados.

Belo este teu corpo sólido, imenso,
Em consistência e beleza cândida,
Que nem a lua num fogaréu de incensos,
Se tem mostrado, com o apelo, lânguida,
Fosse eu teu um protetor de luz,
Me postava em riste, em tuas posições,
Sombreando a pele, que a mim seduz,
E te revelando tudo, todas as emoções.❞ R Cresppo ☧

Despida



Despida de roupa
E de falsidade
Quero a nudez pura
Na plenitude da tua pele
Acesa
Quero-te assim
Iluminada e tensa 
Como quem pensa
Que me pode perder
E só tem a mim❞ R Cresppo ☧

La corda vibrante e le melodie


la corda vibrante 
messa a punto il tuo cuore e diamanti

e le melodie, e il suono, armonie e amanti[.]❞ R Cresppo ☧

Profumo di Purezza


ben oltre il peccato 
stabiliscono vicino a questo profumo beltà

profumo di purezza, la bellezza, la gioia e la verginità[.]❞ R Cresppo ☧

Quanta ingenuidade!



Quanta ingenuidade!
Que ingenuidade!
Que ingenuidade pedir a quem tem poder para mudar o poder.❞ R Cresppo ☧

terça-feira, 26 de maio de 2015

Teu seio virginal



O que sonho noite e dia,
E à alma traz-me poesia
E me torna a vida bela...
O que num brando roçar
Faz meu peito se agitar,
É o teu seio, donzela!

Oh! quem pintara o cetim
Desses limões de marfim,
Os leves cerúleos veios
Na brancura deslumbrante
E o tremido de teus seios?

Quando os vejo... de paixão
Sinto pruridos na mão
De os apalpar e conter...
Sorriste do meu desejo?
Loucura! bastava um beijo
Para neles se morrer!

Minhas ternuras, donzela,
Voltei-as à forma bela
Daqueles frutos de neve...
Ai!... duas cândidas flores
Que o pressentir dos amores
Faz palpitarem de leve.

Mimosos seios, mimosos,
Que dizem voluptuosos:
"Amai, poetas, amai!
Que misteriosas venturas
Dormem nessas rosas puras
E se acordarão num ai!"

Que lírio, que nívea rosa,
Ou camélia cetinosa
Tem uma brancura assim?
Que flor da terra ou do céu,
Que valha do seio teu
Esse morango ou rubim?

Quantos encantos sonhados
Sinto estremecer velados
Por teu cândido vestido!
Sem ver teu seio, donzela,
Suas delícias revela
O poeta embevecido!

Donzela, feliz do amante
que teu seio palpitante
Seio d'esposa fizer!
Que dessa forma tão pura
Fizer com mais formosura
Seio de bela mulher!

Feliz de mim... porém não!...
Repouse teu coração
Da pureza no rosal!
Tenho no peito um aroma
Que valha a rosa que assoma
No teu seio virginal❞ R Cresppo ☧

A sincerdade



A sinceridade é uma abertura do coração.
A encontramos em muito poucas pessoas, e essa que vulgarmente por aí se vê não passa de uma astuta dissimulação para atrair a confiança alheia.
As pessoas fracas não podem ser sinceras.❞ R Cresppo ☧

Tudo é o belo



Tudo o que é belo é uma alegria para sempre
O seu encontro cresce; e não cairá no nada.
Mas guardará continuamente para nós
Um sossegado abrigo, e um sonho todo cheio
De doces sonhos de saúde e calmo alento.❞ R Cresppo ☧

sexta-feira, 22 de maio de 2015

quinta-feira, 21 de maio de 2015

O sonho


O sonho encheu a noite
Extravasou pro meu dia
Encheu minha vida
E é dele que eu vou viver
Porque sonho não morre.❞ R Cresppo ☧

O ódio


O ódio é o prazer mais duradouro; os homens amam com pressa, mas odeiam com calma.❞ R Cresppo ☧

Nada fui, até que comecei a amar


Os espinhos que me feriram foram produzidos pelo arbusto que plantei.
Nada escrevi que prestasse até que comecei a amar.❞ R Cresppo ☧

Recordações


A recordação da alegria já não é alegria, enquanto a da dor é ainda dor.
É mais fácil morrer por uma mulher do que viver com ela.❞ R Cresppo ☧

Nunca fui como todos


Nunca fui como todos
Nunca tive muitos amigos
Nunca fui favorito
Nunca fui o que meus pais queriam
Nunca tive alguém que amasse
Mas tive somente a mim
A minha absoluta verdade
Meu verdadeiro pensamento
O meu conforto nas horas de sofrimento
não vivo sozinho porque gosto
e sim porque aprendi a ser só...❞ R Cresppo ☧

Mamãe Oxum



Canto sereno que assobia, nos regatos lagos e cachoeiras.
Senhora faceira de beleza e ternura.
Protetora das crianças e de todos os que necessitam de tua graça.
Mamãe Oxum, Deusa formosa dos rios.
A Mãe das Águas Doces, acolhe-nos em teu seio, proporciona-nos paz e alegria.
Saravá Mamãe Oxum!
Ora Iê Ie!❞ R Cresppo ☧

quinta-feira, 14 de maio de 2015

O acordar nostálgico


Hoje eu acordei com uma tal nostalgia de ser feliz.
Sou sempre eu mesmo, mas com certeza não serei o mesmo pra sempre.❞ R Cresppo ☧

A força que existe



Que força é esta, eu não sei; tudo o que sei é que existe, e está disponível apenas quando alguém está num estado em que sabe exatamente o que quer, e está totalmente determinado a não desistir até conseguir.❞ R Cresppo ☧

Se Deus não existisse


Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo.❞ R Cresppo ☧

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Vícios e Virtudes



A gente não se liberta de um hábito atirando-o pela janela: é preciso fazê-lo descer a escada, degrau por degrau.❞ R Cresppo ☧

A não verdade da não mentira


À minha volta, reprovava-se a mentira, mas fugia-se cuidadosamente da verdade.❞ R Cresppo ☧

In merito



in merito al chiaro di luna
nient'altro da aggiungere, affannosa

l'ispiratore stella splendente luminosa[.]❞ R Cresppo ☧

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Só me falta chorar pra ser completo



Já soquei tijolo já virei concreto
Já comi do bom e já pastei sem teto
Já passei vazio já sonhei repleto
Só me falta chorar pra ser completo

Já banquei o bobo me julgando esperto
Já fechei a porta e inda restei aberto
Já comprei a banca – já fui objeto
Só me falta chorar pra ser completo

Já plantei a dor tentando ser correto
Já tive razão mesmo sem estar certo
Já me fiz sublime – já fui abjeto

Já clamei por voz em um pleno deserto
Já me atrapalhei com tudo que é afeto
Só me falta chorar pra ser completo❞ R Cresppo ☧

La fiducia e tu


da tutto per il mio amore
io assisterlo, io lottare

io non sarò mai andato, fidare[.]❞ R Cresppo ☧

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Rosa Branca



Cultivo uma rosa branca,
em julho como em janeiro,
para o amigo verdadeiro
que me estende sua mão franca.

E para o mau que me arranca
o coração com que vivo,
cardo ou urtiga não cultivo:
cultivo uma rosa branca.❞R Cresppo ☧

Renda-se


Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.
Viver ultrapassa qualquer limite.❞R Cresppo ☧

terça-feira, 28 de abril de 2015

O combustível


Te sentir é reagir a diversas
frustrações da vida.
Sua beleza me acalma, domina e fascina
Seu jeito carinhoso, amável me deixa completamente desarmado
Em plena guerra, a "guerra dos sexos"
Saber o que você sente é o que me faz ir à frente
Seguir uma meta, traçar um objetivo, e sei que você
Estará lá, com seu lindo sorriso me esperando
Para passarmos o resto das nossos vidas juntos.

E o combustível para rodar essa engrenagem da vida
É o amor, carinho, paciência, lealdade, sinceridade
Que temos que ter um pelo outro
E a única forma que esse combustível nunca acabe é
Confiando em Deus as nossas vidas,
Temos que fazer um triangulo entre você, eu e Deus
E que não falte nenhuma ponta desse triangulo
Porque se faltar uma ponta falta todo o triangulo.

Não quero ser grudento com você 
No sentir pensar e agir,
Só quero falar o que sinto
E não ter medo de sentir 
O que me fez emergir
De um sono profundo 
Que eu não não sabia como 
Acordar e levantar e a poeira soltar
E o vento que soprou a poeira levou
Levou para para mais leve eu ficar
E o coração pronta a amar.
Levantei e não quero mais deitar
Porque se deitar acho que não vou levantar 
E o coração fechado ficará!❞R Cresppo ☧

O casamento



O casamento vem do amor, assim como o vinagre do vinho.❞R Cresppo ☧

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Фéликс Эдмýндович Дзержи́нский (Feliks Dzierżyński)

Postado originalmente em São Paulo, 13 de Março de 2014 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/feliks-dzierzynski.html]


Фе́ликс Эдму́ндович Дзержи́нский (Feliks Dzierżyński) - (ныне Воложинский район, Минская область, Белоруссия — 20 июля 1926 года, Москва, СССР)

Felix Edmundovich Dzerzhinsky, conhecido também como Iron Felix, ou ainda Bloody Felix, foi o grande arquiteto da desinformação sistemática, criador da primeira polícia secreta soviética, a Cheka (ЧК – чрезвыча́йная коми́ссия chrezvychaynaya komissiya). 
Quando Lênin perguntou, ainda em 1918 a Dzerzhinsky, sobre qual a estratégia que deveria ser adotada para influenciar o resto do mundo, recebeu como resposta: "diga sempre o que eles querem ouvir, minta, minta sempre e cada vez mais. De tanto repetir as mentiras elas acabam sendo tomadas como verdades."
Esta expressão, levemente modificada, foi copiada por Paul Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda e do Esclarecimento do Povo do III Reich a quem foi atribuída, erroneamente e provavelmente de má-fé, a autoria.

por O abre aspas❞R Cresppo ☧

O violento violeta violado

Postado originalmente em São Paulo, 17 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/o-violento-violeta-violado.html]




Outro entardecer matizado, lilás
Algumas boninas e bem me queres
Sobre meu vestido que na pele adere
Baudelaire entenderia, tudo é sagaz
A roupa colada ao corpo, molhada
Banhei-me feliz em águas salgadas
Nadei veloz como uma sereia e cantei
Hipnotizei o sol, à noite adiantei
Saciei-me. Que avance a madrugada!

▓ Eu lírico feminino (2013)

por O abre aspas❞R Cresppo ☧

A chuva passageira leva

Postado originalmente em São Paulo, 17 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/a-chuva-passageira-leva.html]



No quintal arqueado um pé de
Juazeiro jaz.
Nesta seca, um fruto maduro é
Recompensa para um nordestino
Tão sofrido.
Olha para o céu e num sussurro
Entristecido, lembra-se de que
É o último...
Como ele o pé de juá exausto está.
Resta pouco desta terra ressequida,
Mas há esperança fincada ali.
Amanhã talvez, quiçá,
Ao romper da luz divina, o sertanejo
Desperte com o cheiro da chuva
Sagrada que se aproxima...
Abraçado ao pé de juazeiro, vai
Humildemente agradecido,
Viver no paraíso!


por O abre aspas❞R Cresppo ☧

O poder do poder

Postado originalmente em São Paulo, 18 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/o-poder-do-poder.html]



No céu um avião desliza.
Pássaro alado do imaginário
Instante.
Vem rápido, vôo rasante.

Aflitos os girassóis no
Campo debatem-se e as
Borboletas perdem as asas.

Rotina e dias confusos e
Oblíquos.
Tentativa de sobrevivência,
Não obstante de lutas.

Mas o que fazer se os grandes
Passam demolindo as pequenas
Criaturas.
As pétalas arremessadas,
Vão-se os pedaços da alma.


E as raízes expostas pedem
Apenas misericórdia,
mais um dia de vida!


por O abre aspas❞R Cresppo ☧

Emozione, mi tradisce

Postado originalmente em São Paulo, 16 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/emozione-mi-tradisce.html]



Emoção, que traidora você me saiu!
Me desmente assim na frente de todos,
Me faz tomar atitudes ridículas
que eu sempre detestei e neguei e nem sei.

por O abre aspas❞R Cresppo ☧

Quod fides credere non occiderat.

Postado originalmente em São Paulo, 16 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/quod-fides-credere-non-occiderat.html]



Não quero saber para crer, mas crer para saber.

por O abre aspas❞R Cresppo ☧

Desine seditionem

Postado originalmente em São Paulo, 12 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/desine-seditionem.html]



Quando se conseguiu encontrar a razão, esta aumenta a concórdia fazendo cessar a rebelião.
Já não há lugar para a competição, pois reina a igualdade.
Por seu intermédio podemos reconciliar-mos com nossas obrigações.
Devido a ela, recebem os pobres dos poderosos e os ricos dão aos necessitados, pois ambos confiam em possuir mais tarde com igualdade.
Regra e obstáculo dos injustos faz desistir os que sabem raciocinar, antes de cometerem injustiça, convencendo-os de que não podem permanecer neutros quando voltarem ao mesmo lugar; aos que não compreendem, revela-lhes a sua injustiça, impedindo-os de cometê-la.

por O abre aspas❞R Cresppo ☧

Angústia, hoje e a culpa

Postado originalmente em São Paulo, 12 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/angustia-hoje-e-a-culpa.html]




A origem de toda a angústia é a de ter perdido o contato com a verdade.
Nem chega a ser útil saber o que acontecerá: é muito triste angustiar-se por aquilo que não se pode remediar.
O indivíduo, na sua angústia de não ser culpado mas de passar por sê-lo, torna-se culpado.

por O abre aspas❞R Cresppo ☧

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Guerras, Santas Guerras

Postado originalmente em São Paulo, 12 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/guerras-santas-guerras.html]



Grande parte das culturas antigas concedia aos chefes, aos guerreiros e poderosos o direito de livrar-se, quando bem entendessem, dos fracos indesejáveis. Crianças, velhos e doentes podiam ser mortos por simples capricho de homens jovens e saudáveis que não queriam trabalhar para sustentá-los. Isso foi assim durante milênios. Foi assim no Egito, na Babilônia, no Império Romano, na China, na Arábia pré-islâmica. Foi assim entre os celtas, germanos, vikings, africanos, maias, aztecas e índios brasileiros. Foi assim quase por toda parte. O número de inocentes enterrados vivos, queimados, entregues às feras ou despedaçados em rituais sangrentos em nome dessa lei bárbara é incalculável.
É toda uma humanidade que foi eliminada do caminho dos fortes, ambiciosos e triunfantes senhores de antigamente.
O morticínio permanente só foi interrompido graças à ação de duas forças que emergiram bem tarde no cenário da História: o cristianismo, no Ocidente, o islamismo no Oriente. Antes delas, o judaísmo já conhecia a incondicionalidade do "Não matarás". Mas o judaísmo não é uma religião proselitista: os judeus, nação minoritária, limitaram-se a praticar entre si um modo de vida mais elevado e mais humano, sem poder ou pretender ensiná-lo aos povos em torno. (O budismo e o hinduismo também tiveram acesso a verdades similares, mas seu caso é especial e deixarei para analisá-lo noutra oportunidade.) Essencialmente, foi graças à moral cristã e à lei muçulmana que o universal direito à vida, revelado inicialmente aos judeus, se tornou patrimônio de todos os homens.
Não houve, ao longo da história, fato mais decisivo. Pois ele não importou somente numa extensão quantitativa. Ao transferir-se para classes de pessoas que antes não o desfrutavam, ou que o desfrutavam somente como concessão de outras pessoas, o direito à vida sofreu radical mutação qualitativa: passou de relativo a absoluto, de condicionado a incondicionado e condicionante. Tornou-se o primeiro de todos os direitos, do qual todos os demais decorrem.
Conceder ao ser humano um direito qualquer, de propriedade ou herança, por exemplo, negando-lhe ao mesmo tempo o direito de existir, é, de fato, apenas uma piada demoníaca. Mas essa piada foi o "script" verdadeiro das vidas de milhões de seres humanos.
Hoje em dia qualquer criança compreende que a prioridade do direito à vida é algo simplesmente lógico, que flui da natureza das coisas. Apóstolos dos "direitos humanos" tomam-no como uma obviedade elementar, como o pressuposto indiscutido e indiscutível dos seus discursos.
Mas poucos se lembram de que o reconhecimento dessa obviedade natural não foi natural nem óbvio. Para disseminá-lo, foi necessário vencer as resistências prodigiosamente obstinadas das culturas antigas. Monges, pregadores, santos foram trucidados por toda parte aonde levassem essa mensagem, tão evidente em si mesma quanto hostil a toda organização social fundada na precedência de outros direitos: direitos de sangue, direitos territoriais, direitos de casta. Para muitas culturas, ceder nesse ponto era abdicar de instituições, leis, privilégios milenares. Era autodestruir-se, era dissolver-se na unidade maior da cultura recém-chegada, portadora da nova lei. Muitos povos souberam adaptar-se à transição sem grandes perdas, tornando-se eles próprios porta-vozes da melhor notícia que a humanidade já havia recebido. Outros obstinaram-se na defesa de direitos imaginários. Por isso foi necessário destruir suas culturas.
A cada guerra empreendida pelos exércitos cristãos e islâmicos contra as nações que rejeitavam sua lei, foram garantidas, à custa da morte de uns milhares de soldados, as vidas de milhões de seus descendentes. A extensão dessa obra salvadora é imensurável. Jamais um bem tão fundamental foi legado a tantas gerações de seres humanos.
Por isso essas guerras foram santas. Por isso foi santa a vontade de domínio que fortaleceu mais os portadores do novo direito universal do que os defensores de costumes locais. Dos descendentes dos povos derrotados, que hoje, movidos por um saudosismo artificial e fingido, se prevalecem dos direitos recebidos dos vencedores para fazer a apologia das culturas derrotadas e condenar sua destruição como um crime inominável, a maioria, se os vencidos tivessem triunfado, simplesmente não existiria. Em algum ponto da história de suas famílias a continuidade da sua linha ancestral teria sido interrompida: sua bisavó teria sido sepultada viva, seu tetravô entregue às feras, o tetravô de seu tetravô estrangulado no berço ou largado no chão até morrer de fome -- tudo sob as bênçãos de reis, hierofantes e tradições veneráveis.
Em cada grupo de índios que aparecem gritando contra a destruição de sua cultura ancestral, uma coisa é certa: se ela não tivesse sido destruída, muitos deles não teriam vivido para ver a luz do dia.
Eu próprio, descendente de celtas e germanos, com muita probabilidade não estaria aqui escrevendo, se algum monge cristão não tivesse detido no ar o braço do sacerdote bárbaro, erguido para o sacrifício de um meu antepassado.
Por isso, alegar os "direitos humanos" como argumento para condenar a destruição de culturas que viveram de ignorá-los e desprezá-los é não apenas um contra-senso lógico, mas uma mentira existencial. Se os direitos do ser humano são primeiros e incondicionais, os direitos das culturas têm de ser, necessariamente, secundários e relativos. Para que os homens sejam iguais em direitos, é preciso que entre as culturas prevaleça não a igualdade, e sim a hierarquia que coloca no lugar mais alto aquelas que reconhecem a igualdade dos homens, a começar pela incondicionalidade do direito à vida. Entre a igualdade dos homens e a igualdade das culturas há uma incompatibilidade radical, que somente pode ser ignorada por uma ideologia autocontraditória, esquizofrênica e perversa.
Não obstante, é essa ideologia que prevalece hoje no ensino e nos meios de comunicação, induzindo crianças e jovens a revoltar-se, em nome do direito e da liberdade, contra as condições sem as quais esse direito e essa liberdade jamais teriam podido vir a existir.
Transmitir semelhante ideologia às novas gerações é cindir as inteligências em formação, cavando um abismo intransponível entre sua visão estereotipada do passado histórico e sua percepção da realidade presente. É destruir na base a possibilidade de toda consciência histórica, e, com ela, as condições de acesso à maturidade intelectual responsável.
É verdade que o discurso incriminatório contra as grandes culturas que humanizaram o planeta está na moda, que repeti-lo faz um professor brilhar ante a classe -- ou ante as câmeras -- como modelo de sujeito moderninho e de mente aberta. Mas até quando nós havemos de tolerar que a inteligência de nossas crianças seja sacrificada no altar das vaidades de professores que não sabem o que dizem?

por O abre aspas❞R Cresppo ☧

Da válvula, a estática; do medíocre, a estética.

Postado originalmente em São Paulo, 12 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/da-valvula-a-estatica-do-mediocre-a-estetica.html]



Outrora da estática "feedbackiando" nos amplificadores valvulados, hoje em dia, o Rock'n'Roll é estética.
 █ em parceria com minha nova heroína, Carolina Tinoco "Heroína Irônica".
(2013)

por O abre aspas❞R Cresppo ☧

Senhor redator

Postado originalmente em São Paulo, 12 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/senhor-redator.html]




Senhor Redator:
A constância obsessiva com que expressões de repugnância física - asco e desejos de vômito - aparecem nos protestos das pessoas que me odeiam é para mim um motivo de lisonja e satisfação. Assinala que, diante dos meus escritos, essas criaturas se vêem privadas do dom de argumentar. Paralisada a sua inteligência pela obviedade do irrespondível, vem-lhes o impulso irrefreável de uma reação física. Já que lhes arranquei a língua, querem sair no braço. Mas, como bater em mim seria ilegal e ademais as exporia à temível possibilidade de um revide, a última saída que lhes resta é voltar contra seus próprios corpos o sentimento de raiva impotente que as acomete, donde resulta todo um quadro sintomatológico de diarréia, tremores, cólicas e convulsões. Não suportando passar sozinhas por tão deprimente experiência clínica, apressam-se então em registrá-la por escrito e publicá-la na Folha de S. Paulo, na esperança de que alguém mais forte, revoltado ante a exibição de tanto sofrimento, dê cabo do malvado autor que as deixou nesse estado miserável.

Como esse anseio não se realizará, o que se recomenda para o momento é o tratamento de praxe com soro fisiológico para contrabalançar a perda de fluidos vitais.

por O abre aspas❞R Cresppo ☧

O "alguém"

Postado originalmente em São Paulo, 09 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/o-alguem.html]



No Brasil de hoje não se discutem doutrinas, opiniões, coisas e fatos, mas pessoas. A linha de fronteira entre as correntes em debate é gostar ou não gostar do fulaninho.
A atividade pensante, nessa atmosfera, reduz-se à mútua esfregação dos egos – asinum asinus fricat –, e a enfezadas manifestações de repugnância coletiva aos que, por falta de tempo ou de interesse, não desejem participar desses jogos de masturbação recíproca em que tanto se comprazem as pessoas maravilhosas.
Infelizmente, como o número de envolvidos dessa atividade lúdica é demasiado grande para que todos as epidermes possam se tocar diretamente, a maioria anônima tem de se restringir a uma forma oblíqua e simbólica de participação, contentando-se com esfregar, à distância, as imagens midiáticas dos jogadores. A disputa entre os blocos de fãs de Marlene e de Emilinha Borba, nos anos 50, marcou para sempre o perfil da nossa fisionomia cultural, tornando-se o arquétipo dos debates filosóficos no país do bunda-lê-lê.
Numa dada discussão, por exemplo, ainda que de passagem, eu mencionasse o sr. Paulo Freire à guisa de exemplo de alguma coisa que vinha dizendo, quatro palermas se encresparam, agarraram-se ao nome do personagem para fazer dele o centro da discussão e, em bloco, como convém a foliões, saíram gritando: Ele não gosta de Paulo Freire? Que canalha! Tem de gostar! Tem de gostar!
No seu empenho belicoso, empregaram fartamente todo o erudito arsenal do ouvir-dizer, que naquele tempo tinha por fonte bibliográfica a Revista do Rádio e hoje a Rede Globo de Televisão.
Um deles, cuja carta, certamente em razão de sua relevância intelectual, saiu em formato de artigo, escreve uma página inteira contra O imbecil coletivo, só para no fim admitir que não o leu. Na página seguinte, oferece como prova de que Alberto da Cunha Melo, Gerardo Melo Mourão e Bruno Tolentino não podem ser grandes poetas o fato, certamente incontestável, de que também não os leu. Desejando pronunciar-se a favor de Paulo Freire, nada diz em defesa de suas doutrinas e práticas – para o que teria sido preciso conhecê-las, o que já seria exigir demais –, porém alega algo de mais decisivo: o tamanho do seu fã-clube. Tal é, de fato, o critério supremo de arbitragem nos programas de auditório.
Já contra minha afirmação de que a esquerda é hegemônica na Rede Globo, o referido articulista recorre a um modus arguendi ainda mais irrefutável. Fulmina-a pondo as mãos nas ancas, franzindo o narizinho com ar de desdém e deixando cair dos lábios em bico a sentença implacável com que as empregadinhas, do alto de seus tamancos, provam sua infinita superioridade ante os soldadinhos da PM: "Ah, é, mano?" E sai rebolando, todo vitorioso. Quem, com efeito, ousaria contestar tal argumento? Longe de mim tamanha pretensão.
Um outro, com ar de paternal sapiência, concede que "nem todas" as minhas opiniões são descartáveis, com o que logra obter infalivelmente o efeito desejado: dar à platéia a impressão de que as conhece todas, pintar com o pouco que ouviu dizer a imagem de um saber direto, vasto e notório, posar como o grande crítico que já absorveu e superou o meu próprio pensamento.
Não é preciso dizer que este também sai todo contente, como se tivesse feito realmente alguma coisa, remirando-se deleitosamente no espelho que lhe serve de consciência e pronunciando sobre si mesmo o juízo de consagração definitiva: "Mãe, olha eu.!"
Um terceiro, com ar misterioso, assegura que a expressão "o imbecil coletivo" é um erro de concordância, sonegando porém aos leitores profanos os fundamentos sintáticos de tão profunda assertiva, hauridos decerto numa ciência gramatical destinada, por uma cláusula pétrea da regra iniciática, a permanecer secreta para todo o sempre. Feito isto, nada mais disse nem lhe foi perguntado.
Do último, nada tenho a comentar, exceto que desfere contra mim a pergunta fulminante: "QUEM É 'fulano'". Sim, porque no debate intelectual brasileiro o argumento decisivo em todos os domínios do conhecimento é – como diria Léon Bloy – ser aquilo que se convencionou chamar de "alguém". Quem exige do interlocutor suas credenciais de "alguém" prova, automaticamente, que se trata de um "ninguém" e que ele próprio, por seu lado, é indiscutivelmente "alguém". Diante da firmeza do interrogante e da mudez do interrogado, o ouvinte fica inibido de admitir para si mesmo que desconhece a ambos, e, para não passar vergonha ante os circunstantes (que também ignoram tudo do caso mas que ele imagina estarem informadíssimos), sai proclamando que o primeiro – ora, quem é que não sabe? – é pessoa universalmente conhecida.
Assim, pois, nada respondo, e deixo ao missivista o desfrute das agradáveis sensações decorrentes de fazer-se passar por "alguém", lamentando apenas que sejam tão fugazes. Nem tudo é perfeito. Mas resta sempre a esperança: ainda há de se inventar um modo de prolongar esse orgasminho.

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LIBERDADE E SEGURANÇA: UMA VISÃO ACERCA DO LIBERALISMO, COMUNISMO, CAPITALISMO, SOCIALISMO E O "ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL"

Postado originalmente em São Paulo, 05 de Dezembro de 2013 em meu antigo blog.
[http://sobinfluenza.xpg.uol.com.br/liberdade-e-seguranca-uma-visao-acerca-do-liberalismo-comunismo-socialismo-e-o-estado-de-bem-estar-social.html]



Liberalismo e socialismo. Eu, na verdade, não acredito que requeiram conciliação.
Defino o socialismo de um modo muito simples, como já disse em outros posts, pela qualidade de vida de seus membros mais fracos.
Se se pensa, por exemplo, num dos fundadores do liberalismo moderno, John Stuart Mill, nota-se que ele também chegou ao socialismo por acreditar que para implementar o programa liberal, o programa da liberdade humana, é necessário uma distribuição justa de oportunidades, diminuindo-se a distância entre os membros mais ricos e os mais pobres da sociedade. E, se nos lembrarmos de Lord Beveridge, o criador do Estado de bem-estar social britânico, o caso é o mesmo. Durante a guerra, o governo da Grã-Bretanha criou uma comissão para organizar um programa de bem-estar social (do qual Beveridge era diretor), prevendo que com o fim do conflito haveria milhões de desempregados que não mais aceitariam a sina dos oprimidos. Beveridge preparou então todo um programa que foi pouco a pouco aceito pelo governo após a guerra. Ora, ele não era um socialista e não se definiu jamais como tal. Dizia que era um liberal e que o que estava propondo era, na verdade, a implementação definitiva do programa liberal, porque, se o liberalismo quer que todos sejam seres autônomos e autoconfiantes, então para ser livre é necessário que se tenha recursos, que haja um chão firme no qual se apoiar. A idéia de Lord Beveridge, que infelizmente não se impôs, era que toda essa assistência social, esse bem-estar social, toda essa provisão eram necessários como medidas temporárias. E isso porque ele partia do pressuposto de que, para ter a coragem, a ousadia de ser aventurosas e se arriscar, as pessoas precisam se sentir seguras — e segurança elas não podem obter por si próprias, mas deve ser oferecida e garantida pela grande sociedade. Se as pessoas se arriscam sozinhas, correm o perigo de ser abatidas por um grande fracasso, uma tragédia, uma crueldade ou coisa semelhante. Deve haver, portanto, essa garantia do Estado, o que eu chamo de seguro coletivo contra o infortúnio individual. Se isso existe, as pessoas se enchem de coragem e, sem receio de tentar, logo podem tornar-se prósperas. Essa era a idéia de Beveridge.
Enfim, como vemos, se se considera o melhor na história do liberalismo e o melhor na história do socialismo, eles sempre convergem, há sempre essa conexão entre os dois. Para resumir, tudo se reduz à questão muito simples de que há dois valores igualmente indispensáveis para uma vida humana decente e digna: liberdade e segurança. Não se pode ter um sem que se tenha o outro. Esse é o meu ponto, mas infelizmente na prática política eles são normalmente justapostos e apresentados como tendo propósitos opostos, como sendo necessário sacrificar a segurança sob o argumento de que quanto maior ela for menos livre se é. A acusação mais comum hoje em dia é que o Estado de bem-estar social torna as pessoas dependentes, já que ninguém pode ser livre se depende de assistências de qualquer natureza: saúde, caridade e coisas do gênero. Isso tudo me soa muito cruel, porque eu sou um ser moral na medida em que me considero dependente de você. Em certo sentido, meu bem-estar depende do seu bem-estar, minha autonomia depende da sua autonomia. Assim, qualquer que seja a perspectiva da qual se parta, chega-se sempre à mesma questão de que, ou liberdade e segurança são obtidas juntas, ou não serão obtidas de modo algum. Esse é o ponto de encontro entre socialismo e liberalismo.
Não acredito que haja um progresso linear no que diz respeito à felicidade humana. Podemos dizer que, como um pêndulo, nos movemos de tempos mais felizes para tempos menos felizes e de menos felizes para mais felizes. Hoje temos medo e somos infelizes do mesmo modo como também tínhamos medo e éramos infelizes há cem anos, mas por razões diferentes. A modernidade sólida tinha um aspecto medonho: o espectro das botas dos soldados esmagando as faces humanas. Virtualmente todo mundo, quer da esquerda quer da direita, assumia que a democracia, quando existia, era para hoje ou para amanhã, mas que uma ditadura estava sempre à vista; no limite, o totalitarismo poderia sempre chegar e sacrificar a liberdade em nome da segurança e da estabilidade. Por outro lado, como Sennett mostrou, a antiga condição de emprego poderia destruir a criatividade e as habilidades humanas, mas construía, por assim dizer, a vida humana, que podia ser planejada. Tanto os trabalhadores como os donos de fábrica sabiam muito bem que iriam se encontrar novamente amanhã, depois de amanhã, no ano seguinte, pois os dois lados dependiam um do outro. Os operários dependiam da Ford assim como esta dependia dos operários, e porque todos sabiam disso podiam brigar uns com os outros, mas no final tendiam a concordar com um modus vivendi. Essa dependência recíproca mitigava, em certo sentido, o conflito de interesses e promovia algum esforço positivo de coexistência, por menor que fosse.
Bem, nada disso existe hoje. Os medos e as infelicidades de agora são de outra ordem. Dificilmente outro tipo de stalinismo voltará e o pesadelo de hoje não é mais a bota dos soldados esmagando as faces humanas. Temos outros pesadelos. O chão em que piso pode, de repente, se abrir como num terremoto, sem que haja nada ao que me segurar. A maioria das pessoas não pode planejar seu futuro muito tempo adiante. Os acadêmicos são umas das poucas pessoas que ainda têm essa possibilidade. Na maioria dos empregos podemos ser demitidos sem uma palavra de alerta. Para pessoas que viveram no tipo de sistema Ford, semitotalitário, que tinha uma tendência totalitária inerente, como Hannah Arendt dizia, nossas apreensões devem parecer incompreensíveis!


por O abre aspas❞R Cresppo ☧